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Conto - Parte II. Renascimento

“Ele está vivo!” pensou Letícia naquele momento. Ela estava muito chocada com o que via, não conseguia para de pensar: “Então a lenda é verdadeira...”.

Quando o telefone tocou, foi Jéssica quem atendeu. Ela era a secretária do museu, uma mulher de vinte e dois anos de idade, loira com olhos verdes (e um olhar simpático), baixa e de pele clara, tinha uma voz meiga e cativante e quando sorria era um sorriso grande e afetuoso. Jéssica era também a melhor amiga de Letícia.
- Lê... – chamou ela. – telefone pra você.
- Ah, obrigado. – agradeceu Letícia. – Quem é?
- Um menino chamado Fernando.
- Fernando... – Letícia tentava se lembrar quem era esse menino. – Fernando?!
Quando ela se lembrou do menino que a pouco mais de uma semana estivera naquele museu com a turma do Colégio Machado de Assis, seus pequenos olhos mestiços – traços que herdara da família japonesa de seu pai – se arredondaram com o espanto.
- Hãn... Alô?
- Letícia? É você a instrutora que guiou minha turma durante a visita que agente fez aí? – a voz do outro lado variava muito o timbre enquanto eram pronunciadas as palavras, variando entre uma doce voz infantil até uma voz grave de homem formado. Efeitos da puberdade, conclui Letícia.
- Ah, sim. Sou eu! – ela respondeu com calma. – O que deseja?
- Lembra aquele trabalho que a professora Cristina passou aí dentro?
- Claro, lembro. O que tem ele?
- Preciso da sua ajuda. Coisa rápida. – pediu o menino. Parecia muito necessitado de ajuda, como se aquilo valesse uma vida.
- Nossa. Parece importante... claro, eu ajudo! Do que precisa?
- Minha ideia é a seguinte: apresentar as características do cavaleiro e da princesa com bastantes detalhes. Tem como me ajudar? Passar essas características e eu ir aí ver a imagem do cavaleiro e do cavalo também pra poder escrever no trabalho... Por favor!
- Claro. Diga quando você virá aqui, que eu te ajudo a escrever!
- Muito obrigado! Estarei aí no sábado de manhã. Tudo bem?
- Combinado então. Eu geralmente chego às 9:00 no sábado, ok?
- Ok! E muito obrigado, de novo!
- De nada...
Ela desligou o telefone e olhou para a amiga. Letícia ainda estava surpreendida com o menino que a buscou para o trabalho e parecia que Jéssica não estava compreendendo muito o quê ocorrera. Com uma rápida explicação, Letícia colocou a amiga no assunto e voltou ao trabalho, pois o museu estava estranhamente lotado. Fazia muito tempo que tantas pessoas não procuravam aquele lugar.

Nada demais ocorreu naquela semana para Letícia. A vida continuava a mesma, os estudos estavam cada vez mais pesados (agora com um novo trabalho no qual deveria falar sobre Artistas Renascentistas e suas Tendências) e ainda tinha o trabalho no Museu de arte.
Sempre que podia, ela visitava o Santuário do Cavaleiro – uma escultura de pedra de um cavaleiro deitado, com sua espada sobre o corpo e um grande elmo bem detalhado em pé, ao lado da cabeça do homem –, pois adorava a lenda que o envolvia. Ela enchia seu coração com emoções desiguais. Letícia também havia descoberto novas versões para a lenda e lera cada uma delas várias vezes. Era algo que a envolvia de várias formas inexplicáveis. E estava preparando uma boa descrição para ajudar o menino Fernando que voltaria no sábado para conversar com ela sobre a lenda. Além disso, criou uma forma de relacionar o Santuário ao seu trabalho universitário, pois a escultura possuía várias das características daquela época, tais quais: a proporção com a realidade e a representação do homem como ele realmente era.

Na sexta-feira, Letícia e Jéssica combinaram de ir ao Music, um barzinho que abrira recentemente e estava sendo alvo de vários comentários entre a juventude londrinense. Como Jéssica dirigia, ela passou para dar uma carona para Letícia.
Letícia decidiu se vestir com um vestidinho que ela ganhara de seus pais no último Natal. Era uma peça singela, na cor azul-marinho e com alguns detalhes mais claros na barra, que ficava alguns milímetros acima do joelho de Letícia. Soltou parte do cabelo naturalmente liso – outra herança que recebera dos orientais – e com a outra parte fez um pequeno coque por cima, seguro por um fino hashi tão preto quanto seu cabelo e detalhado com o desenho de um dragão prata. Nos pés, levava uma sandália que deixava seus meigos pés e suas unhas vermelhas a mostra.
Jéssica, por sua vez, vestiu uma blusinha verde finamente decotada e um jeans azul escuro com alguns strass nos bolsos. Ela deu uma valorizada em seus olhos também verdes, passando um lápis em volta. Suas unhas estavam numa cor de renda simples, mas muito bela. Em cada orelha havia um brinco de prata, com o formato de uma gota de lágrima e seus lábios brilhavam em contraste com sua pele clara. Ela concluía seu visual com uma bela pulseira igualmente prata que levava alguns pingentes em seu braço esquerdo.
Não demorou muito e logo estavam na Avenida Tiradentes, onde ficava o Music.
O barzinho era um lugar alegre, com cores vivas nas paredes e muitos pôsters de bandas de todos os lugares do mundo (a maioria muito famosa). Um grupo formado por quatro homens e uma mulher fazia o ambiente ficar harmonizado com uma música muito pesada enquanto, do lado direito da banda, um outro grupo, um trio de mulheres, aquecia as vozes e preparava os instrumentos para subir ao pequeno palco que ficava bem no centro do bar. Ao redor dele, várias mesas estavam dispostas e alguns garçons uniformizados de camisetas vermelhas, e calças pretas perambulavam entre elas, levando, na sua maioria, cervejas e porções de carnes para os clientes. O Music estava lotado, sobrando apenas algumas poucas mesas vazias, duas ou três pelo que Letícia pôde ver.
As duas decidiram sentar-se a uma mesa no canto direito do bar, distanciadas do palco para que o volume alto não as deixasse perturbadas. Sem demora, veio até elas um rapaz alto, de ombros largos, cabelos escuros como o breu, ele tinha a pele bronzeada ao melhor estilo de um surfista do Hawaii. O rapaz foi até elas com um enorme sorriso no rosto, que mostrava seus dentes brancos de neve. Era o garçom que iria atendê-las.
- O que desejam? – perguntou enquanto pegava no bolso um palm-top para anotar os pedidos.
- Por enquanto só uma Coca. – respondeu Jéssica sem tirar os olhos do rapaz.
- Eu também, por favor. – disse Letícia, não menos interessada. Depois de alguns segundos, o garçom se dirigiu para a adega, que ficava ao lado da porta para a cozinha, no lado oposto do bar, deixando as meninas suspirando atrás dele.
As duas conversaram um pouco sobre o garçom e outros temas importantes, dividiram uma tábua de picanha com acompanhamentos e uma farta salada verde.
Infelizmente, ambas teriam que trabalhar no sábado – Letícia no museu e Jéssica em uma empresa de construções civis, que era seu outro emprego. – e acordariam cedo, por isso decidiram deixar o Music pouco antes da meia noite. Após uma breve viagem, Letícia desceu do New Fit vermelho de Jéssica e entrou em seu apartamento na Rua Professor Samuel Moura.
Letícia viu Fernando chegar no horário marcado e logo eles começaram uma conversa sobre o Santuário do Cavaleiro, cada um dizendo coisas novas para o outro. Com isso eles perceberam a riqueza e a variedade de lendas que envolvia o cavaleiro e discutiram um pouco sobre qual seria a original.
- O que está escrito ali? – perguntou o menino, apontando para uma escrita antiga que estava gravada ao pé do cavaleiro.
- Ah, aqui? – disse Letícia enquanto se agachava e acariciava as letras. – Está em grego. É algo como “Ao Senhor da Justiça. Que a paz reine em seu coração!” ou algo do tipo. Não lembro agora.
- Legal! Aposto que serei o único a ter isso no trabalho!
Fernando fez algumas anotações em seu caderno e voltou seu olhar para o cavalo. Ele era marrom, tinha um brilho na pelagem que cegava se ficasse olhando para ele muito tempo. Seus músculos pareciam fortes e rígidos e sua crina era tão longa que cobria todo o pescoço do animal do lado em que estava caído. Sua sela era detalhada com várias jóias em muitos tons de vermelho e havia as mesmas palavras gregas inscritas no cabresto. Mas o que realmente chamava a atenção era que todas as partes metálicas, inclusive as ferraduras, eram de prata.
- A prataria é lustrada sempre, por isso brilha tanto. – Comentou Letícia. – Hmmm... Uma coisa que acho que você não vai precisar, mas eu gosto é que dizem que há um único violino no mundo no qual o arco foi feito com a crina desse animal, e que essa foi a única vez que ele teve sua crina aparada. Mas cada pessoa que conheço aponta um violino. Sinceramente, não sei em qual acreditar...
Eles seguiram conversando sobre o cavaleiro após uma rápida explicação de Letícia sobre qual a função da crina de um cavalo em um violino. Após longas horas de conversa, Fernando fez uma pergunta que pegou Letícia desprevenida:
- Como você acha que era o nome dele?
- Por essa eu não esperava! Sinceramente, não sei. Eu já li inúmeros nomes em vários lugares, cada um mais improvável que o outro. Já criei e abandonei minhas próprias idéias sobre isso. Mas por que quer saber isso? Você mesmo pode dizer o que acha!
- Eu queria a sua opinião. Não sei por quê, mas desde que vi essa escultura me veio na mente o nome “Bartô”.
- Bartô? – repetiu Letícia.
Houve um segundo de silêncio.
Barulho de pedra se chocando.
Quando eles se viraram para o Santuário novamente, havia uma forte luz roxa saindo de onde estavam os olhos do cavaleiro. Um pouco depois, uma luz vermelha saiu de cada olho do cavalo.
Letícia sentiu o tempo parar ali.
Fernando estava com os olhos fechados por causa da claridade.

Tudo fora muito rápido, ao ponto de nenhum dos dois conseguir traduzir o que ocorrera.

Quando percebeu, Letícia estava olhando para um belo homem, de ombros largos, cabelos curtos e de cor castanho escuro. Os olhos dele eram caramelo e passavam uma ideia de grande poder. Seu rosto estava numa expressão de dúvida, mas não perdia a grandeza. Suas vestes eram bem diferentes das normais, além de estarem muito gastas. Ele estava acariciando o pescoço de um belo e forte cavalo marrom, com o qual conversava quase num sussurro, mas isso não impediu Letícia de ouvir aquela grossa voz. Eram palavras de consolo, mas era o homem quem chorava.
“Ele está vivo!” pensou Letícia naquele momento. Ela estava muito chocada com o que via, não conseguia para de pensar: “Então a lenda é verdadeira...”.
Continua...
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Cara... esse deu trabalho pra sair x.x


Mas, antes de mais nada, devo agradecer ao pessoal que me incentivou (a maioria cobrou) a continuar esse conto! Muito obrigado
Em especial, um MUITO OBRIGADO à duas meninas que salvaram minha pele na tarde de sexta, enquanto fazia alguns a maior parte da história.
Thais Ap. e Ivanna, vocês são demais! *-*


Nessa segunda parte eu tentei dar mais foco na descrição das personagens e cenários, o que passou batido na primeira. As meninas eu imaginei parecidas com duas amigas minhas (quem adivinha quais são?) e os rapazes eu viajei mesmo, lembrando de desenhos animados e filmes sem graça.


Espero não demorar tanto com a terceira parte, mas isso só o tempo dirá...
E então espero que tenham gostado desse novo conto =D